O comportamento cínico e parresiástico na contemporaneidade: os riscos da verdade insolente

Gilmar Lopes Dias, Osmir Aparecido Cruz, Carlos Roberto da Silveira

Resumen


A proposta de artigo ora apresentado é discutir sobre a concretude da expressão do cinismo e da parresía na contemporaneidade. Como objeto de análise e discussão, propõem-se analisar um caso concreto, ocorrido numa cidade do interior paulista, na qual um cidadão utilizou uma construção artística inusitada para protestar contra a maneira como a Prefeitura do seu município, conduzia a administração dos recursos públicos. Para concretizar o seu protesto, este cidadão construiu artisticamente um objeto que fazia alusão a uma vaca, utilizando para isso, um carrinho de supermercado, envolvido por um cobertor, que formava o corpo do animal, uma cabeça e um “rabo” de boi, mais duas luvas cirúrgicas amarradas com ar comprimido no seu interior, representando as “tetas” do bovino. Tratou de fixar, em cada um dos lados do “animal”, faixas contendo os seguintes dizeres: “8 anos mamando: a teta está secando” e “para de mamar: quero engordar”. Após expor o seu animal em praça pública no município, o cidadão foi detido pela polícia local, e teve o seu material de protesto apreendido, sendo-lhe ainda atribuída uma multa pela ofensa da imagem do prefeito, considerado como injúria eleitoral, sendo registrado um Boletim de Ocorrência policial. Analisando-se o modo escandaloso, agressivo e insolente utilizado pelo cidadão, para protestar, bem como as consequências que esse ato lhe trouxe, verificou-se que se tratava de uma expressão típica do cinismo antigo, na qual o sujeito se utiliza da parresía para expor de forma franca e direta a verdade sobre a moral política vigente no seu município. Ao expor essa verdade, a pretensão do sujeito é “desfigurar a moeda”, isto é, aos moldes de Diógenes (o cínico), busca expor os valores e práticas que se encontram encobertos pelo discurso político. Por meio da sua expressão escandalosa, o sujeito conseguiu levar a sua mensagem à população da cidade, desfigurando a moeda política corrente, mostrando que os interesses particulares dos governantes estão acima do interesse público. Desta maneira, foi possível verificar que, embora seja possível a existência de um comportamento cínico na contemporaneidade, o uso da parresía é difícil, perigoso e quase improvável, pois o parreiasta assume riscos ao expressar as suas verdades e desfigurar a moeda, como se pode verificar no caso analisado no presente, no qual o sujeito acabou por ser preso, acusado de crime contra a honra moral do prefeito, ao difamá-lo publicamente. O Cínico acaba por expor verdades que, muitas vezes, não devem ser ditas, pois acabam por ferir interesses e expor outros regimes de verdade, que nem sempre estão comprometidos com o bem comum.

Palavras-chave: Cinismo. Parresía. Contemporaneidade.


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