Gilles Deleuze e a vida destituída de juízos
Resumen
Em Nietzsche e a filosofia, o pensador francês Gilles Deleuze defendeu o argumento de que Friedrich Nietzsche teria sido o único pensador a ter atingido o derradeiro intento da crítica, qual seja: fomentar uma outra sensibilidade. Esta sensibilidade outra seria aquela responsável por instaurar um sistema de valores imanentes, em substituição àqueles ditos transcendentes. A vida em sua singularidade – assumida como uma vida ao invés do universal A Vida –, doravante, deveria assumir o papel de juiz, em detrimento da razão ou, até mesmo, dos próprios sentidos. Tal concepção, erigida por Deleuze a partir de uma leitura atenta de Nietzsche, implica o estabelecimento de novas relações com o mundo que nos cerca, a criação de conexões potentes com um dado estado de coisas. Em outros termos, envolve um aprendizado de novos modos de existência. O estabelecimento destas relações inauditas seria marcado por uma espécie de experimentação vital – e, para suster tal assertiva, o pensador francês recorrera amiúde a uma assimilação de Nietzsche por Spinoza – que caberá a cada vivente estabelecer. Destarte, com esse movimento, operar-se-ia a inversão do platonismo iniciada por Nietzsche e continuada por Deleuze.
Essa temática, erigida já na aurora do pensamento deleuzeano, percorrerá toda a sua filosofia, sofrendo algumas variações ao longo do percurso. Dentre aquelas que valem a pena serem mencionadas, ainda que brevemente, salientamos uma: a substituição do conceito filosófico clássico de crítica por uma noção de sua própria lavra, o conceito de agenciamento. Essa mudança, nomeadamente marcada pela obra Kafka: por uma literatura menor, escrita em parceria com Félix Guattari, permite ao filósofo francês demarcar com maior precisão os contornos de uma sensibilidade propriamente filosófica, a única capaz de levar a termo a derradeira crítica nietzschiana. Tal sensibilidade não apenas retomaria aquela necessidade de constituirmos um modo de vida destituído de valores transcendentes, tal qual vislumbrado por Deleuze em Nietzsche, mas cederia algumas diretrizes práticas – ainda que indeterminadas – para constituição de novos e potentes valores. Nesse movimento, todo um jargão – marcadamente kantiano – é posto em xeque: crítica, juízos, tribunal da razão etc. E um outro vocabulário entrará em cena: agenciamento, experimentação, rizoma e assim por diante. Não se trata apenas de uma mera mudança vocabular, visto estar em jogo a construção de uma série de diretrizes capazes de propiciar a constituição de modos de existência singulares, visto envolver uma noção de aprendizado pouco ou nada ortodoxa.
Nosso intento, com esse trabalho, será o de percorrer ao longo da obra de Deleuze a construção dessa importante – e pouco apreciada – noção de sensibilidade filosófica, arquitetada como uma variação intensiva da noção usual de crítica e assentada sobre outros tantos conceitos (tais quais experimentação, agenciamento, conexão etc.). Além do mais, procuraremos pensar tal noção a partir da tríade afectos-modos de existência-imanência. A pergunta norteadora desse estudo é: quais deslocamentos são produzidos no interior do pensamento deleuzeano e quais novos horizontes são abertos para pensarmos os derradeiros intentos da atividade filosófica?
Palavras-chave: Gilles Deleuze. Modos de Existência. Sensibilidade Filosófica. Filosofia. Afectos.
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